Burnout no mercado de trabalho e esgotamento nas escolas
Como encontrar limite em um mundo sem limites?
O questionamento acima foi feito pela jornalista e comunicadora Izabella Camargo, 43, depois de ter vivido uma severa crise da síndrome de burnout (esgotamento profissional), em 2018, que a obrigou a mudar a rota da vida dela e, sobretudo, desacelerar o ritmo dos ponteiros do próprio relógio.
Considerada uma epidemia silenciosa, a síndrome de burnout afetou 63% da população global em 2023, conforme matéria da revista Forbes deste ano de 2024. Segundo o INSS, aqui no Brasil 421 profissionais de diversas áreas foram afastados do mercado de trabalho por conta do burnout, o maior número dos últimos dez anos. De acordo com os índices do órgão, de 2019 até 2023, o aumento foi e 130% de casos. E os relatos desses profissionais afetados apontam experiências e motivos comuns que os levaram a essa exaustão.
Diante desse cenário, as empresas começaram a buscar transformações em suas convicções sobre as melhores práticas para alcançar resultados. Áreas de “descompressão” foram criadas em suas estruturas, e programas de cuidados com a saúde mental foram amplamente inseridos nas corporações. O conceito de “day off”, entre outras iniciativas, é diariamente repensado para adaptar o “novo” mundo do trabalho a uma geração que inicia um movimento de reflexão sobre o que se entende por sucesso.
A Organização Mundial da Saúde revela que uma em cada seis pessoas entre 10 e 19 anos apresenta hoje problemas de saúde mental. Essa condição já é responsável por 16% da carga global de doenças e lesões em pessoas nessa faixa etária. Em todo o mundo, a depressão é uma das principais causas de doenças e incapacidade entre adolescentes, e o suicídio é a terceira principal causa de morte entre adolescentes de 15 a 19 anos. A OMS destaca a importância da promoção da saúde mental e da prevenção de transtornos como aspectos fundamentais para o jovem prosperar. “Tudo isso está refletindo seriamente no ambiente educacional”, observa a educadora Paula Carneiro Leão, que é sócia da Escola Vila Aprendiz, na zona Sul do Recife. Hoje, a gente vive um cenário completamente diferente do que tínhamos há 20 anos, e a pandemia foi um grande impulsionador da realidade atual. Estamos vivendo em uma sociedade adoecida, e aí eu pergunto: quem de nós não conhece alguém que tenha vivenciado na própria família ou que conheça alguém que já vivenciou recentemente a experiência do suicídio? Isso nunca esteve tão próximo a nós. Está no vizinho, no amigo do vizinho, no trabalho de alguém conhecido, na escola de um amigo do seu filho.
Esse drama social também está claramente batendo na porta da escola, e é um enorme desafio sobre o qual devemos nos debruçar para prestar mais atenção nesse fenômeno”, alerta Paula Leão.
O uso descontrolado de telas está sendo considerado um dos principais fatores de risco que levam ao esgotamento dentro da escola, atingindo todo o ecossistema do ambiente educacional, e provocando o esgotamento mental e físico de professores, gestores funcionários e alunos. “Não há como a gente não falar sobre a responsabilidade das telas nas nossas vidas. Hoje vemos idosos sendo afetados pelo uso do celular tanto quanto as crianças. É um público novo, que embora esteja fora do mercado de trabalho, também está sendo seriamente afetado pelo impacto da internet e do celular em nossas vidas”, destaca. “O grande volume de informações e conteúdos que recebemos a cada segundo e temos que dar conta, provoca aceleração e muita ansiedade”, adverte a educadora.
No ambiente escolar, todas essas demandas estão chegando, e é necessário voltar o olhar para o que se desenrola a partir da essência das pessoas. Cuidar do humano nunca foi tão necessário e vital. Somente após esse cuidado é que as questões pedagógicas e de aprendizagem poderão ser desenvolvidas. É comum que muitos pais e educadores se perguntem sobre o motivo do aumento das doenças emocionais na adolescência e não entendam como a pressão por resultados, que geralmente funcionou nas famílias e no estilo de escola do passado, pode afetar ainda mais a saúde mental dos estudantes na atualidade.
Lançado este ano (maio de 2024) e figurando desde então na lista de best-sellers do The New York Times, o livro A Geração Ansiosa, do psicólogo Jonathan Haidt, investiga o colapso da saúde mental de crianças e jovens causado por celulares, redes sociais e hiperconexão que a vida digital oferece. O autor mostra como as taxas de ansiedade, depressão, automutilação e suicídio explodiram a partir dos anos 2010, em contraste com a estabilização e até a queda desses indicadores em anos anteriores. O resultado, argumenta, foi a substituição, a partir dos anos 1980, de uma infância baseada na brincadeira por uma infância baseada no telefone.
Haidt aponta uma série de mecanismos da vida digital atual que interferem no desenvolvimento social e neurológico infantil, desde a privação do sono até a atenção fragmentada, passando por vícios, solidão, falta de controle emocional, comparação social e perfeccionismo, com efeitos devastadores sobre as crianças.
Imagine-se, agora, como um adolescente inserido nesse contexto social de comparação e avaliação da própria vida consegue administrar tantos sentimentos, além da pressão acadêmica, sem apoio emocional e o olhar necessário para cuidar do ser humano que está por trás de todo esse contexto? O mundo mudou, a ciência nos oferece cada vez mais oportunidades de conhecimento e entendimento sobre o funcionamento cerebral, e a escola precisa incorporar esse conhecimento para torná-lo parte de sua prática diária, não como um “apêndice” em seu currículo, mas como o seu DNA.
PREVENÇÃO – Neste “novo” momento, a escola precisa enfrentar o desafio de aprender a lidar com essas demandas consequentes de uma mudança de comportamento cultural, que têm trazido questões reais e concretas que justificam os índices de burnout. Já não é mais ‘achismo’, porque a ciência comprova o impacto das emoções na vida de todos os indivíduos; e isso precisa urgentemente ser a base de como se deve construir um ambiente que afete positivamente a saúde mental de alunos e professores, que traga segurança emocional para todo o grupo que compõe o ecossistema no ambiente escolar.
É urgente cuidar do sistema para favorecer a saúde mental das pessoas, construir espaços de descompressão emocional e física, implantar uma cultura dentro das escolas para tentar blindar o crescimento do estresse emocional, reduzir a pressão por resultados e prestar atenção para o que de fato importa, até porque a escola sempre teve o papel de ser o lugar da segurança, sobretudo agora quando se vive uma realidade repleta de elementos distópicos.
BURNOUT X ESCOLA – A escola do século XX sempre promoveu um ambiente de pressão por resultados. Ela acompanhava a cultura das organizações para onde iriam os alunos que elas formavam. Mas a escola do século XXI precisa desconstruir a cultura doentia de contabilizar rankings de aprovação e começar a olhar para as habilidades dos alunos. A melhor performance profissional não depende dos altos resultados nos testes isoladamente; a escola só fará uma boa entrega se formar estudantes promovendo segurança emocional para eles.
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