Do Score ao Smart Credit: a revolução silenciosa do crédito na era da inteligência artificial

Durante décadas, o crédito foi concedido com base em modelos rígidos, centrados em dados financeiros tradicionais e históricos. O conhecido credit score — que atribui uma pontuação a cada consumidor — tornou-se o símbolo desse sistema. Contudo, a lógica da nova economia está impondo uma transformação profunda: o crédito deixa de ser uma fotografia do passado e passa a se comportar como um organismo vivo, alimentado por dados em tempo real, inteligência artificial e uma compreensão muito mais ampla do comportamento humano. Surge, assim, o conceito de smart credit.
Essa evolução não é apenas tecnológica, mas também cultural e ética. O uso de algoritmos e de dados alternativos — como histórico de pagamentos de contas, comportamento digital ou até padrões de consumo — redefine a forma como as instituições financeiras avaliam risco, preço e potencial. Se bem utilizada, essa inteligência tem o poder de reduzir a assimetria informacional, ampliar o acesso a financiamentos e tornar o crédito uma verdadeira ferramenta de inclusão e desenvolvimento econômico.
Ao mesmo tempo, a revolução do crédito inteligente traz novos dilemas. A expansão do uso de dados exige governança algorítmica, curadoria ética e transparência sobre os critérios de decisão automatizada. A inteligência artificial só é legítima quando explica suas escolhas — e quando a supervisão humana continua a existir como instância de responsabilidade e revisão. A confiança, portanto, torna-se o novo ativo central do mercado de crédito.
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) ocupa papel estratégico nesse contexto. Seus princípios de finalidade, necessidade e não discriminação formam a base jurídica e ética para o uso responsável de dados pessoais. A convergência entre a agenda da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e as diretrizes do Banco Central indica que o Brasil caminha para um modelo de supervisão que valoriza a inovação, mas exige prestação de contas e mitigação de riscos. Esse movimento dialoga diretamente com o que ocorre no exterior, em especial com o AI Act europeu, que estabelece padrões de segurança e governança para sistemas de inteligência artificial de alto risco.
A nova economia do crédito é também uma economia de interoperabilidade. Iniciativas como o open finance, a identidade digital e a tokenização de dados estão permitindo que o histórico financeiro do consumidor seja compartilhado com consentimento e segurança, rompendo as barreiras entre instituições e criando um ecossistema de crédito mais ágil e personalizado. Nesse cenário, as instituições financeiras passam de simples provedoras de capital para orquestradoras de ecossistemas de confiança — responsáveis por garantir que a tecnologia sirva ao propósito humano e social do crédito.
A transição do score para o smart credit é, portanto, uma revolução silenciosa. Ela desloca o eixo da análise de crédito do passado para o presente contínuo, em que o comportamento, a reputação digital e o contexto econômico se tornam variáveis vivas. A inovação, no entanto, só será sustentável se estiver ancorada na ética e na transparência. Um modelo de crédito inteligente que não seja também um modelo de crédito justo tende a perder legitimidade — e, com ela, o próprio valor econômico que pretende gerar.
No fim, o que está em jogo não é apenas o futuro do crédito, mas o contrato social de confiança que sustenta o sistema financeiro. A inteligência artificial e os dados podem — e devem — ser aliados da inclusão, da eficiência e da justiça econômica. O crédito do futuro não será apenas mais rápido ou mais preciso: será mais humano.
Lorena Botelho, advogada da área da tecnologia e inovação e sócia do Urbano Vitalino Advogados
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