arte e cultura

“VOLTEI RECIFE”, EXPOSIÇÃO QUE CELEBRA O TALENTO DE UM DOS MAIORES ARTISTAS DE PERNAMBUCO

O gênio criativo Miguel dos Santos, está de volta à cidade. A exposição “Voltei Recife”, marca o retorno do menino de Caruaru, que durante a infância, brincava com bonecos do mestre Vitalino, ao cenário artístico da capital pernambucana. A mostra, com mais de duzentas peças entre telas, esculturas e cerâmicas, pode ser vista no Espaço Ranulpho, na rua do Bom Jesus, no bairro do Recife.

Miguel é um dos artistas mais completos e inventivos do Brasil, reconhecido por unir ancestralidade africana, memória popular, espiritualidade nordestina e rigor técnico em obras que atravessam o tempo. A exposição será aberta oficialmente, com a presença do artista, no dia 11 de dezembro, de 13h às 17h.

Com dezenas de exposições realizadas em diversos estados e nos mais representativos centros culturais em diferentes países, em todos os continentes, há obras de Miguel em alguns dos mais importantes acervos de museus e colecionadores no Brasil e no exterior. O mestre criador, representa uma das expressões mais vigorosas da identidade artística pernambucana.

O autodidata Miguel dos Santos consolidou, ao longo de mais de seis décadas, uma trajetória reverenciada por grandes nomes da arte, entre eles o intelectual e crítico Pietro Maria Bardi, o artista Francisco Brennand e o escritor Ariano Suassuna, que registraram o impacto que sua produção exerceu sobre a crítica e sobre a história da produção artística do país.

“Miguel libera sua fantasia, num frenético élan de surpresas…
Não se trata do abstrato no senso desta moderna tendência, mas da representação de fabulosos eventos próprios da tradição moral de um povo….
As interpretações são de um pintor, também dedicado à plástica popular, a cerâmica, evidenciando uma vocação de admirável feitura, tendo em conta o inato misticismo, de tempos remotos, inserindo-os na atualidade; um caso bem raro, escolhido para que se veja na Europa um dos aspectos mais reveladores da arte brasileira. Não é o caráter etnográfico, mas num sintetismo lírico de singulares impulsos emotivos: uma criatividade autônoma neste setor da arte popular que no Brasil afirmou em música, o samba.” P. M. Bardi

Francisco Brennand mergulha na obra de Miguel, afirmando: “Prezado Miguel dos Santos, verdadeiramente genial o seu trabalho. Novíssimo e, ao mesmo tempo, arcaico como os nossos ancestrais africanos. O Brasil pode se orgulhar de ter um artista múltiplo como você.”

Ariano Suassuna aborda elementos de destaque em sua obra: “A pintura de Miguel dos Santos é algo que me entusiasma, povoando seus quadros a óleo, ou cerâmicas, de bichos estranhos: dragões, metamorfoses, cachorros endemoninhados, santos, mitos e demônios, uma obra tão ligada ao Romanceiro e por isso mesmo tão expressiva da visão tragicamente fatalista, cruelmente alegre e miticamente verdadeira que o povo tem do real”.

A exposição Voltei Recife

Em “Voltei Recife”, Miguel reencontra a capital que inspirou parte significativa de sua formação artística. A mostra, no Espaço Ranulpho, aberto na Galeria homônima, mantida pela família do marchant falecido em 2024, de quem Miguel foi parceiro artístico e grande amigo, revela o universo simbólico que o acompanha desde a infância em Caruaru, elementos africanos, figuras míticas, religiosidade popular, memórias familiares e narrativas visuais que ecoam a força do Nordeste. Para Miguel é um retorno afetivo, artístico e histórico.

SERVIÇO
Exposição: Voltei Recife — Miguel dos Santos
Abertura: 11 de dezembro
Horário: 13h às 17h
Local: Espaço Ranulpho
Rua do Bom Jesus, 125 – Recife Antigo
Entrada gratuita
A exposição permanece em cartaz sem data de encerramento.

EXPOSIÇÕES DE MIGUEL DOS SANTOS

Entre as suas principais exposições, estão: Miguel dos Santos, Galeria Bonino, Rio de Janeiro, 1972; Image du Brésil, Manhattan Center, Bruxelas, 1973; Miguel dos Santos: pinturas e cerâmicas, Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand – MASP, São Paulo, 1974; 2º Festival Mundial de Artes e Cultura Negra e Africana – FESTAC ‘77, Lagos, Nigéria, 1977; 14ª Bienal Internacional de São Paulo, 1977; Tradição e ruptura – síntese de arte e cultura brasileiras, Fundação Bienal, São Paulo, 1985; Os ritmos e as formas na arte contemporânea, Kunsthal Charlottenborg, Copenhague, 1989; A ressacralização da arte, SESC Pompeia, 1999; Arte do Brasil no século 20, Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand – MASP, São Paulo, 2020; Movimento Armorial – 50 Anos, CCBB Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília, 2022.

Suas obras fazem parte do acervo de diversos museus, tais como: Centro Cultural Banco do Brasil – CCBB Brasília, Brasília, Brasil; Centro Cultural Benfica – UFPE, Recife, Brasil; FAMA Museu – Fábrica de Arte Marcos Amaro, Itu, São Paulo, Brasil; Instituto Bardi | Casa de Vidro, São Paulo, Brasil; Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand – MASP, São Paulo, Brasil; Museu Casa de Cultura Hermano José, João Pessoa, Brasil; Museu Janete Costa de Arte Popular, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil; Sítio Roberto Burle Marx – IPHAN, Rio de Janeiro, Brasil.

A carta de Francisco Brennand

Prezado Miguel dos Santos,
21 de janeiro de 2015

Nas suas sucessivas exposições na cidade de São Paulo, Pietro Maria Bardi de imediato saudou o como o aparecimento de um grande pintor.
Bardi não era um homem fácil de elogios, posso lhe garantir que você a surpreendeu enormemente.

Hoje o pintor e ceramista se confundem, sendo que na cerâmica você alcançou um nível técnico invejável para um ceramista brasilbiro.

Recordo que ao ver as primeiras cerâmicas de Miró fiquei surpreso com a matéria eximondinária de suas peças.
Parecia rocha vulcânica. Alguma coisa semelhante aquilo que se encontra na natureza, diferentemente das cerâmicas de Picasso aonde ele não dava a menor importância a esse tipo de pesquisa, pois trabalhando em Vallauris contentou-se com o tipo de majolica local.

Ora todos nós sabemos que a genialidade de Picasso independe do suporte sob o qual trabalha, pode ser papel de jornal, carão, madeira, tela, metal ou cerâmica, a sua mão se encarrega de transformar esses suportes comuns em obras primas.

Foi preciso muitos anos para que eu descobrisse o segredo de Miró. Em primeiro lugar, ele sempre trabalhou com a ajuda do ceramista Lorenzo Artigas (antigo colega de colégio) que colocou-se humildemente à sua aposição com todos os recursos tecnológicos que possuía e isso redundou na qualidade excepcional das suas peças, esculturas e murais.

Bastante tempo depois de ter retomado de Paris, li um artigo de James Thrall Soby, onde este crítico de arte elogiava a extraordinária beleza de um mural de Miró colocado diante da Unesco. Um mural de dupla face com o título da “Noite e Dia”. Entre outras revelações, Soby esclareceu que esse mural havia sido queimado 33 vozes. Eu sabia que Miró trabalhava com fornos intermitentes e não é brincadeira uma pessoa conseguir arrumar e desarrumar pedras de um mural com a sua respectiva mobília refratária nessas operações de queima e resfriamento de um fomo. Portanto, é surpreendente se mencionar uma queima repelida 33 vezes! Seria por acaso um exagero literário ou mesmo uma notícia truncada? Só obtive essa resposta fazendo eu mesmo sucessivas experiências com os meus murais. E claro que jamais cheguei a queimar 33 vezes, mas cheguei a passar no fomo túnel alguns murais mais de 15 vezes. De imediato encontrei a resposta do Segredo Miró – Artigas. Eles simplesmente substituíam a temperatura por tempo de exposição da peça no fogo.
Não quero me alongar sobre um assunto que você conhece sobremaneira. Agradeço comovido as suas belas cerâmicas deixado nas mãos de minhas filhas e sobretudo aquela que me foi presenteada: uma obra prima.

O texto de PM Bardi

Miguel dos Santos, temperamento contemplativo, enamorado pelos mitos do Nordeste do Brasil, região regurgitante de lendas populares e de práticas espíritas, onde confluem antigas influências africanas, o primitivismo e a memória colonial. Nesta abundância de misteriosas cenas, Miguel libera sua fantasia, num frenético élan de surpresas. Sensível, francamente sentimental, inquieto seguidor de imagens-fantasmas, porém representando figurações de um patrimônio poético que lhe guia a mão. Não se trata do abstrato no senso desta moderna tendência, mas da representação de fabulosos eventos próprios da tradição moral de um povo.
As interpretações são de um pintor, também dedicado à plástica popular, a cerâmica, evidenciando uma vocação de admirável feitura, tendo em conta o inato misticismo, de tempos remotos, inserindo-os na atualidade; um caso bem raro, escolhido para que se veja na Europa um dos aspectos mais reveladores da arte brasileira. Não é o caráter etnográfico, mas num sintetismo lírico de singulares impulsos emotivos: uma criatividade autônoma neste setor da arte popular que no Brasil afirmou em música, o samba.
P. M. Bardi

Ariano Suassuna

Em comentário da década de 1980, Ariano Suassuna aborda elementos de destaque em sua obra: “Como se pode ver pelo trabalho de Miguel dos Santos, a diferença principal entre nós escritores e artistas atuais do Nordeste – e os anteriores – o que nos caracteriza e distingue mais, é a ligação com o Realismo mágico – e não surrealismo. (…) A pintura de Miguel dos Santos é algo que me entusiasma, povoando seus quadros a óleo, ou cerâmicas, de bichos estranhos: dragões, metamorfoses, cachorros endemoninhados, santos, mitos e demônios – uma obra tão ligada ao Romanceiro e por isso mesmo tão expressiva da visão tragicamente fatalista, cruelmente alegre e miticamente verdadeira que o povo tem do real”.


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