Artigo “Está na hora do pedágio urbano”
Todas as grandes cidades do mundo têm experimentado nas últimas décadas expressivo crescimento populacional e desenvolvimento urbano. Algumas delas se expandiram tanto que se metropolizaram, integrando populações e áreas urbanas circunvizinhas num intenso processo de conurbação.
Não sem razão que a maioria dessas cidades perpassa crises de mobilidade urbana, em particular, devidas aos imensos congestionamentos de veículos automotivos nos seus espaços viários.
No Brasil a situação é agravada por conta da desoneração fiscal na produção de veículos, criando mais pressão sobre o uso do espaço urbano, relativamente invariante.
Só em 2018 foram produzidos no país 2 milhões e 881 mil veículos (os carros representam 95%) e exportados somente 629 mil. O saldo foi adicionado à frota existente. Mais: a expectativa do mercado é de que a produção automotiva brasileira cresça 11,3% em 2019.
As clássicas soluções de gestão de congestionamentos, através de intervenções tópicas de engenharia de tráfego no fluxo do trânsito não adiantam mais. A gravidade do problema requer mudança de paradigma.
A instituição de pedágio urbano, por exemplo, passa a ser uma opção à ortodoxia da engenharia viária.
O pedágio urbano (“congestion charging”, “urban toll” ou “congestion pricing”) é uma maneira de caminhar em direção à solução de longo prazo para a mobilidade urbana: dar absoluta prioridade aos modais sustentáveis, transporte público, bicicleta e andar a pé, desestimulando o uso de automóvel como modal preferencial.
O mecanismo consiste em cobrar uma tarifa aos condutores de veículos que circulem em determinadas áreas da cidade (como acontece com a cobrança de pedágio nas rodovias concessionadas). Em geral, os veículos coletivos ficam isentos de pagamento.
A ideia é que a imobilidade urbana é causada em larga escala pelo maior demandante do espaço viário e maior gerador de tráfego: o transporte motorizado individual. Seu uso desenfreado acarreta prejuízos materiais, sociais, ambientais e de saúde, e são injustamente socializados.
É uma questão de desequilíbrio entre oferta limitada do espaço viário e excesso de demanda pelo seu uso, protagonizado pelo automóvel. O preço (a tarifa do pedágio) vai ajudar a desestimular a demanda.
O pedágio urbano, além de reduzir a quantidade de automóveis circulando na malha viária, gera receitas para serem aplicadas em sustentabilidade urbana, particularmente, em transportes coletivos. Daí existir entre os especialistas visível preferência por essa modalidade vis-à-vis o rodízio de automóveis.
O pedágio urbano foi implantado pela primeira vez em 1975, em Cingapura e posteriormente adotado em várias cidades: Londres, Estocolmo, Milão, Durham, Oslo, Bergen, etc., mas só recentemente é que Buenos Aires se tornou a primeira cidade da América Latina a utilizá-lo.
Desde 15 de maio de 2018, Buenos Aires iniciou o sistema de pedágio urbano, abrangendo 70 quadras, numa área de 2 km2 . O entorno pedagiado tem período de restrição de 11:00 às 16:00, de segunda a sexta-feira. São esperados 35 mil veículos a menos na zona demarcada, metade do volume anterior.
Devido à aceitação popular do modelo o governo da cidade decidiu estender o perímetro pedagiado de 70 para 142 quadras, a partir de outubro de 2019, além de alargar o horário de circulação paga, passando de 9:00 às 18:00.
Enfim, a adoção do pedágio urbano visa a diminuir os congestionamentos recorrentes, desacelerar o agravamento da situação ambiental e arrecadar recursos para destinação em transportes de massa; em síntese, buscar a sustentabilidade urbana.
Desnecessário dizer que cidades como Londres e outras onde o pedágio urbano foi implantado, têm realidades socioeconômicas e urbanas diferentes das cidades brasileiras. Ainda assim, vale a pena testar esse modelo, pari passu com continuados incentivos ao uso dos modais sustentáveis de transporte.
O enfrentamento do problema requer mudança de paradigma e medida disruptiva: taxação do carro particular.
por Maurício Costa Romão, é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos.
Matéria publicada na edição 49 Terra Magazine
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