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Usina de Arte – Empreendimento cultural como instrumento de renovação

A 130 km do Recife, a cidade de Água Preta é um município na Mata Sul de Pernambuco cuja história é marcada por lutas, desenvolvimento do mercado da cana de açúcar, lembranças, superação e resistência.

A cidade, situada a cerca de duas horas de Recife e com mais de 35 mil habitantes, tem uma longa trajetória de transformação que marcou em especial sua sobrevivência nas últimas três décadas, considerada a terceira usina em capacidade de produção do país, quando em 1988 foi desativada a Usina Santa Terezinha, que era a grande força da economia local.

Quase duas décadas depois a usina foi reaberta em 2015 com o projeto Usina de Arte, que une educação, arte e cultura direcionado a comunidade da região. Uma inspiração de Bruna Simões e Ricardo Pessoa de Queiroz Filho, bisneto do empreendedor José Pessoa de Queiroz, que fundou a usina em 1929.

“Sempre tive uma ligação muito forte com o lugar; afinal, vivi lá minha infância até os 20 anos. Ela foi toda conectada com aquela comunidade, eu brincava com muitos dos garotos de lá e cresci com todos. E, quando voltei a frequentar o local, em 2012, voltaram todas as lembranças e comecei a ajeitá-lo”, diz o empreendedor.

Ele e a esposa se empenharam na possibilidade de transformar as terras que abrigaram toda uma vida e que parara suas atividades há mais de 22 anos em algo novo, um resgate cultural em que tudo ao seu redor pudesse ser transformado. Foi quando lhe sugeriram conhecer a proposta do “Instituto Inhotim”, em Brumadinho, Minas Gerais, fundado em 2006 pelo empresário e colecionador de arte Bernardo Paz.

A visita a este que é considerado o maior museu a céu aberto do mundo desencadeou um mar de possibilidades, pautadas na proposta de ressignificação do local e reaproveitando o próprio meio ambiente como arte. “Visitamos Inhotim e nos apaixonamos pelo projeto, mas nos apaixonamos mais ainda pelo lindo trabalho do artista Hugo França. Então, cismei que precisava levá-lo para a Usina. Ele a visitou em 2013 e começou um processo de coletar árvores mortas na mata da região e fazer um trabalho com isso. Até então não existia projeto algum, mas, em 2014, na sua terceira visita, surgiu a ideia de convidar alguns artistas e realizar algo que provocasse a comunidade que, naquele momento não tinha nenhuma perspectiva. A única possibilidade era sair da região e migrar para Maceió, Santa Cruz do Capibaribe e Toritama, ou viver em torno de uma esperança vã de que a usina voltasse a funcionar. E isso me incomodava muito”, comenta.

Com isso, foi plantada a semente de uma visão única de transformar a usina, que não mói cana em um projeto que envolvesse a comunidade como um todo. E, consequentemente, traria uma nova forma de ver a vida e promoveria novas atividades numa terra fértil, que pudesse desenvolver algo mais naquele pedacinho de mundo.

Com a decisão, tomada, em 2015, começaram a planejar como gerar isso: iniciaram pesquisas e convidaram o artista plástico paraibano José Rufino, de quem tinham se aproximado em fevereiro de 2015, para trocar ideias, surgindo uma proposta de residência artística. Passaram, então, a formatar uma proposta inicial até que visitaram, em abril daquele ano, a “SP Arte”, maior festival de arte da América Latina, onde conheceram o multiartista Fabio Delduque, responsável pelo festival “Arte Serrinha”. O evento, que acontece numa fazenda de Bragança Paulista, a 90 km de São Paulo, em parceria com a Unesp, trabalha a arte de uma forma geral e proporcionou aquele “eureka” no casal, que encontrou o mote que procuravam. E foi com o conhecimento dessa experiência que nasceu essa ideia de criar um festival multicultural com diversas perspectivas artísticas e englobasse uma série de atividades, manifestações e profissionais que atuam com a arte. O resultado: um empreendimento artístico que tem sido um modelo bem-sucedido há quatro anos.

Artistas convidados transformam assim um complexo árido em um grande celeiro de conhecimento, criatividade e desenvolvimento econômico e social a partir de cursos, palestras e oficinas numa agenda complementada, em especial, por manifestações de grupos regionais. Com grande evidência em atrações locais, que estavam adormecidas, e até desaparecendo, a Usina abriu espaço para realização de apresentações ao público de grupos como o “Samba de Matuto Leão do Norte”, de Tamandaré e “Guerreiro”, de Maceió, contando com o apoio do cantor e compositor pernambucano Adiel Luna, bisneto de uma cantadeira de casa de farinha, neto de um entusiasta de cantoria de viola e filho de um poeta e repentista. Então, tudo que está relacionado ao Usina da Arte está atrelado a um tripé fundamental para o seu diretor Ricardo Pessoa de Queiroz Filho: arte, educação e cultura. E o mais importante nessa equação de mentes que pensaram junto foi o envolvimento de profissionais experientes e com expertise para contribuírem com a curadoria e com o processo de formatação, escuta e envolvimento dos professores da rede escolar da região e a integração da comunidade no processo.

“Depois que o festival passou, todos ficaram muito felizes e animados. Mas, ficou aquele pensamento do que aconteceria a partir daquele momento; então, tivemos a proposta para ampliar o projeto criando um Jardim Botânico com o apoio de um biólogo, neste caso, Eduardo Gomes Gonçalves, que funcionasse como uma âncora para atrair visitação. Isto iria ajudar a proporcionar à comunidade uma forma de se apropriar desse fluxo que os visitantes geram a partir do consumo diversificado de atividades produzidas pelos moradores da área”, destaca.

Desta forma, foi se modelando um formato de empreendimento cultural que se prolonga no decorrer do ano a partir de cursos e eventos do universo das artes no campo da experiência e da capacitação, escola de música com teoria e prática de instrumentos de orquestra, o “Parque Artístico-Botânico da Usina de Arte” e as residências artísticas, que mantém em exposição acervos orgânicos de diversos artistas como Flávio Cerqueira (SP), Carlos Mélo, Paulo Bruscky e Paulo Meira (PE), Hugo França e José Spaniol (RS), além de José Rufino (PB).

O jardim é aberto à visitação do público externo, enquanto a maioria das ações educativas é voltada para crianças e adolescentes, estudantes das redes públicas e privadas do município, a partir dos sete e indo até os dezesseis anos de idade. “Todas as nossas atividades são oferecidas à comunidade de forma gratuita, inclusive aparelhamos a escola de música com todos os instrumentos para que os alunos pudessem participar ativamente das aulas. E, durante o ano, as demais ações de conhecimento são ocupadas por um público que varia de acordo com a proposta do curso, workshop ou oficina”, enfatiza.

A Usina de Arte é mais do que um evento realizado em um enorme espaço de terra, onde antes se plantava cana, no sul de Pernambuco. É uma colheita de possibilidades de desenvolvimento econômico e de vida, com a geração de estabelecimentos caseiros de gastronomia local, além da oferta de hospedagem domiciliar. E, para fazer essa roda moer de maneira profissional, em 2017 foi feito um convênio com o Sebrae-PE, dentro do programa “Ecossistema de Negócios de Impacto Social da Mata Sul” para realização de cursos, consultorias e qualificação permanentemente na Usina. E com isso concretizou-se um ateliê coletivo de artesanato, chamado de “Gabinete de Arte”, que já vinha sendo desenvolvido progressivamente pela coordenação com o intuito de que pessoas que integram a comunidade pudessem trabalhar juntos, e expor seus produtos à venda. “Na última edição da Fenearte, compramos um estande e patrocinamos a primeira participação de mais de dez artesãos do Gabinete de Arte. Para melhorar suas qualificações, contratamos uma consultora especializada em tendências, para ajudar durante cinco meses no desenvolvimento do grupo que iria participar da Feira Internacional de Artesanato de Pernambuco. E estão envolvidos nesse grupo o marceneiro Manoel Miguel, o ‘Seu Bau’, que trabalha com peças de decoração em madeira como esculturas, gamelas, pés de mesa e lustres, e o vidraceiro ‘Seu Abajur’, que desenvolve diversas peças sustentáveis com sucata de vidro, entre as quais estão copos, xícaras, castiçais e luminárias”, orgulha-se.

E a soma de todos esses investimentos é o aumento paulatino da visão da comunidade para o que é arte e cultura, proporcionando um novo movimento econômico sustentável e transformando a vida de pessoas. É assim que a antiga usina de cana movimenta a Mata Sul, com cultura e empreendedorismo de impacto social. Fruto da iniciativa privada, estimula hoje toda uma comunidade que reside no entorno para ser mais do que um pé de cana, na forma da “Associação Socioambiental e Cultural do Jacuípe”, que dá uma nova significação ao espaço da antiga usina. Já, dentro da proposta do festival “Arte na Usina”, a safra 2019 promete muitas novidades dentro da agenda de conteúdo e com uma grade de programação que trará este ano dois nomes de fora, como adianta o empreendedor.

Esta é uma nova visão de como promover a educação através de um conjunto de ações culturais e artísticas, principalmente de artesanato, que visa criar uma geração de água-pretenses com melhores perspectivas de futuro.

Por Ivelise Buarque – Terra Magazine Edição 49 /2019


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