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Como lidar com a ansiedade e depressão no Natal e Réveillon?

 

Festas de final de ano podem trazer sofrimento adicional para quem enfrenta problemas de saúde mental ou desencadear transtornos, especialmente num período marcado por perdas de parentes ou amigos e incertezas sobre o futuro

Há alguns anos o Brasil se mantém como o líder no ranking mundial de transtorno de ansiedade e o 5º lugar em casos de depressão, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). A saúde mental do brasileiro ficou ainda mais comprometida devido às pressões da pandemia da covid-19. Esse cenário ganha contornos mais complexos e bastante específicos no período do Natal e réveillon, quando a cultura nos impõe refletir sobre como foi a vida durante o último ano e planejar o ano seguinte.

Esse dever de realizar um balanço e definir metas – como se fôssemos empresas em busca de melhoria contínua de desempenho – pode trazer uma sobrecarga emocional para muitas pessoas, num mundo em que o sucesso é uma obrigação potencializada pelas redes sociais. Numa situação desafiadora e instável como a atual, em que lidamos com uma ameaça global de saúde pública, o sofrimento pode ser ainda maior.

Por isso, a ansiedade e depressão relacionadas ao ciclo de final de ano merecem uma atenção especial na pandemia, principalmente considerando os estudos mais recentes. Se esse período pode ser difícil até para quem consegue lidar com essas pressões sem transtornos, imagine para a parcela crescente de ansiosos e deprimidos?

“No Brasil, temos componentes singulares capazes de provocar tanto ansiedade quanto depressão: desemprego, violência e situação política estão entre eles. E, nessa época de final de ano, há uma tendência de as pessoas ficarem ainda mais sensíveis, devido às memórias afetivas que tomam conta de nosso psiquismo”, analisa a psicóloga Christianne Müller, que segue a abordagem da fenomenologia existencial.

Solidão

Um fator que precisa ser considerado nesse contexto é o aumento da sensação de solidão, um fenômeno global agravado pela pandemia. Em uma pesquisa feita no início de 2021 – ou seja, depois da fase mais crítica de restrições e isolamento social em 2020 – 50% dos entrevistados no Brasil disseram se sentir solitários “muitas vezes”, “frequentemente” ou “sempre”, o maior percentual entre todos os países pesquisados. O estudo foi realizado pela multinacional francesa de inteligência de mercado Ipsos.

“Em muitos casos, a pessoa pode estar em meio a muita gente, mas a sensação de estar só prevalece. Em outros, houve um afastamento real por questões de saúde, como no caso de idosos que mantêm distanciamento mesmo vacinados por causa da imunidade baixa. Outro tipo de situação frequente é a mudança de parte da família ou de um integrante na busca de mais espaço para o trabalho híbrido, com a fragmentação do núcleo que existia”, avalia Christianne Müller.

Tempestade perfeita

“Quase tudo leva a isso: músicas, luzes, o clima natalino em si, a aproximação dos parentes que geralmente estão longe e se reúnem nessa época, mesmo que em pequenos grupos, mas de algum modo se fazendo presentes. Chamadas de vídeo, envio de presentes, confraternizações da firma. Somos bombardeados, no final do ano, por estímulos que remetem à nostalgia e convites para retrospectivas pessoais e projeções de expectativas para o futuro”, acrescenta.

Na avaliação da especialista, “a pandemia reforçou essa angústia diante de um futuro muito mais incerto e esse estado de saudade”. “Muitas famílias perderam parentes e amigos. Para algumas é o primeiro Natal sem essas pessoas queridas, para outras, o segundo. Mesmo para as que não passaram por isso, a comoção ainda impera. É doloroso pensar nas milhões de vidas que se foram”, reflete.

 

Táticas

Para enfrentar as dificuldades emocionais de um ciclo de final de ano ainda marcado pela pandemia, a terapeuta recomenda lançar mão do autocuidado. “É importante ir em busca de meios que minimizem os gatilhos identificados como estressores. Faz parte dessa estratégia investir ao máximo em tranquilidade e, na medida do possível, estar em ambientes onde haja verde, mar, rios e lagos. A natureza pacifica”, recomenda.

“Encontros ao ar livre tem uma positividade que conta muito”, ressalta. “Viajar, é outro modo de oxigenar a mente. Ficar dias em um local diferente daquele onde se passou o ano inteiro, um local sem aglomerações e que que traga conforto é uma excelente alternativa. Uma viagem, por mais curta que seja, pode diminuir o estresse acumulado por acontecimentos negativos, lembranças dolorosas e a angústia diante do futuro”, acrescenta.

 

Cuidado com o cartão de crédito

Outra dica da psicóloga é escapar das ciladas do consumismo típico do período. “O ter que comprar é algo que muitas vezes leva a uma falsa sensação de prazer. Depois vem a sensação de que aquele produto não preenche um vazio que é de outra ordem, não é material, e a preocupação em como pagar as dívidas que foram feitas estourando o orçamento”, explica. “Tudo isso acarreta estresse que pode ser gatilho para a ansiedade, depressão e outros transtornos”, adverte.

A prática de exercícios também integra a lista de táticas de saúde mental para lidar com o Natal e Ano Novo. “A atividade física traz boas doses de endorfina para o organismo, nos deixando menos ansiosos ao reduzir a adrenalina associada ao medo e à insegurança. Além disso, quando o treino é realizado em horários adequados ameniza os distúrbios do sono trazidos pelo estado ansioso”, frisa a terapeuta. Christianne Müller destaca que um bom sono leva o organismo a entrar em homeostase, ou seja, são reguladas situações fisiológicas diante de mudanças externas, mantendo a estabilidade.

“Podemos pensar ainda no poder terapêutico da música”, defende. “Você identifica sua playlist tranquilizadora e passa a ouví-la com mais frequência, especialmente quando a tristeza insiste em permanecer ou quando pensamentos acelerados tomam conta da mente de modo desenfreado”, sugere.

 

Terapia como prevenção

A dica de ouro é iniciar um processo de psicoterapia. “Quando não se pode destinar uma fatia do orçamento para fazer terapia nos valores convencionais, pelo menos que sejam procuradas as clínicas-escola, que atendem com valores simbólicos e até gratuitamente. O importante é ter um espaço para trabalhar as emoções”, afirma.

“Esse acompanhamento não é apenas para tratamento e controle da ansiedade e da depressão quando o quadro já está instalado. Estar sob assistência psicológica é algo que tem uma excelente eficácia preventiva”, aconselha.

“Na terapia a pessoa se sente acompanhada na trajetória de dor e vai se fortalecendo. Há um acolhimento em relação aos sentimentos de perda e incertezas. O paciente também vai conseguir lidar melhor com esse futuro representado pelo ano que se aproxima e internalizar que esse novo é um contínuo e que, qualquer que seja a sua meta, ele sempre será falho, incompleto e imperfeito como todas as outras pessoas”, pondera.

foto: Paula Maestrali

 

                                                                        

 


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